
Três da tarde. Sinal vermelho. Motocicletas forçando espaços por entre os carros. Alguém solta um palavrão. Outro buzina. Dali da pastelaria se vê todo tipo de confusão entre motos e carros o tempo inteiro, e é bem ali , na fachada dessa típica pastelaria do centro da cidade que, carregando uma criança nos braços, uma mulher negra encosta. O dono da pastelaria a observa do caixa, repara bem na mulher. Resmunga algo.
Como pode ser tão… folgada. Tipinho de… Não suporto essa gente. Diz tudo entre os dentes, enquanto devolve o troco pra uma mulher distraída.
Passa das três da tarde. O Suco é cinco reais. Com ou sem gelo? Açúcar ou adoçante? A mulher permanece na porta, espera sabe-se lá o quê, parece ansiosa. Não na minha entrada… não mesmo! Ela se senta no chão. Seu Antônio, decidido, sai do caixa. Surge um cliente. Seu Antônio volta. Limpa o suor do rosto. O cliente sorri satisfeito. Seu Antônio não repara, vigia a figura sentada na entrada do seu estabelecimento com uma criança miúda nos braços. Logo vai começar a pedir esmolas. Inferno de dia quente! Preciso encontrar uma forma de acabar com esse tipo de coisa nessa entrada.
Surge um sujeito. Ele aponta pra rua de baixo e parece com raiva. O sujeito grita com a mulher negra. A criança de colo começa a chorar. Seu Antônio chama o rapaz responsável pelos sucos. Enquanto o empurra em direção à porta dá a ordem. O rapaz dos sucos vai lá e explica pros três a situação. O sujeito se altera. A mulher nada fala. A criança berra. Um palavrão sai da boca do sujeito. O rapaz dos sucos faz um gesto com os ombros. Seu Antônio acena e o rapaz volta.
Seu Antônio começa sentir um aperto no peito. Precisa do remédio.
Alguém… – Mal consegue pedir. Cai na cadeira. O rapaz do suco percebe que Seu Antônio não está bem. Observa a gesticulação e percebe que ele aponta pro remédio. Alguém da cozinha traz um copo com água. Ele toma. A tontura continua. O rapaz assume o caixa. Seu Antônio tenta se levantar. Tenta se recompor. Ergue a cabeça e olha pra entrada. Procura demoradamente, mas não sabe bem o quê.
Entra e sai constante na pastelaria. Quase quatro da tarde. Sol forte. Asfalto firme. Sinal verde. Carros fantasmagóricos rasgando as ruas. Seu Antônio parece tão cansado, alguém diz. Esforçou-se pra ver quem dizia aquilo. Permaneceu sentado. Abanou algo perto do pescoço pra espantar o calor, em seguida percebeu que eram panfletos. O rapaz do suco zigue-zagava do caixa até o liquidificador, do liquidificador até o caixa. Reclamaria uma última vez com ele sobre aqueles malditos panfletos.
Nada de propagandas aqui, eu já avisei tantas vezes! – Se pôs de pé num salto, como que recuperado. Surge um menino, desses que pedem esmola no sinaleiro, e resolve descansar na frente da pastelaria. Aqui não é lugar, sai sai sai, seu pivete, sai sai! Explode Seu Antônio ainda no caixa. O menino se faz de surdo. Seu Antônio sai do caixa e atravessa o estabelecimento gritando, descontrolado. Uma vez na entrada ele empurra o menino. Aqui não, aqui não! O menino faz zombaria. Algumas pessoas sobressaltadas acompanham dos seus lugares o velho gritando e o menino fazendo gaiatice. Outras parecem nem ligar, concentradas no seu lanche. Teve gente que riu da situação, como as mulheres na cozinha, que gargalhavam tão alto que era possível que o velho ouvisse lá de fora, mas estava tão empenhado em exigir do moleque respeito que dificilmente perceberia as gargalhadas das funcionárias. O rapaz do suco observa tudo sem saber ao certo o que fazer, pousa o queixo na mão e suspira.
O rádio, indiferente, avisa: Já são cinco em ponto! E uma música do momento toma o ambiente.
Muito loco captar um instante, uma cena do infinito cotidiano dentro de um enquadramento eye of the beholder…………….haehaehahe………….
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